4.1.07

Uma coisa e outra coisa

Parafraseando o poeta, Deus é como o luar, ao mesmo tempo luz e mistério. Luz porque revelado, auto-revelado. Mistério porque Deus. O que fosse completamente conhecido ao mortal seria também mortal e, portanto, não seria Deus. O finito não pode, por definição, compreender o eterno; o imperfeito, conhecer perfeitamente o perfeito. Até aqui, tudo bem, acredito. Mas vou mais longe. A essência e a natureza de Deus estão além das possibilidades humanas. Deus não cabe sequer no vocabulário humano. Por exemplo, podemos falar que Deus é uma coisa, um ser, uma pessoa? Ou deveríamos dizer que Deus é, ou como pretendia Paul Tillich, Deus é o ser em si? Quem sabe deveríamos ficar com a auto-apresentação de Deus a Moisés: Eu sou. Talvez devêssemos admitir a sabedoria judaica para quem o nome de Deus é impronunciável. Faz sentido: imensurável, incognoscível, inefável, cujo nome é impronunciável.

Toda e qualquer tentativa de enclausurar Deus em uma definição é uma blasfêmia e um ato de idolatria: Deus definido é igual a ídolo. Isso implica dizer que não se pode falar de Deus em termos conceituais. Reduzir Deus a idéias é também uma forma de fazer deuses: idéias de Deus são iguais a deuses.

Mas creio que Deus se revelou. Creio que a Bíblia sagrada é o texto privilegiadíssimo desta revelação e a considero “palavra de Deus”. Creio, como diz a Bíblia, que Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras, e que sua palavra exata foi Jesus de Nazaré, o Cristo.

Suspeito que de Deus se pode afirmar o que pode ser visto. Visto na maneira como se relacionou com as pessoas cujas histórias são contadas na Bíblia – caso não saiba, a Bíblia é um livro de histórias. Visto na maneira como se comportou em Jesus Cristo, sua mais exata expressão. O que não pode ser visto a respeito de Deus é apenas e tão somente objeto de especulação, fruto de experiência pessoal, conteúdo de fé subjetiva, e, portanto, não serve de base para o labor teológico.

Por exemplo, quando alguém diz que “Deus é justo”, “Deus é onipotente”, ou “Deus é onisciente” me pergunto de onde tiram essas afirmações, isto é, quero saber onde Deus pode ser visto agindo com justiça, com todo o poder e com todo o conhecimento. Por outro lado, quando a Bíblia diz que Deus mandou aniquilar uma nação por completo ou decidiu dar uma porção de terra a um povo em detrimento de outro, inclusive expulsando da terra o povo que lá estava, preciso de um longo caminho para compatibilizar minhas noções de genocídio e limpeza étnica e meus critérios de direitos e justiça com o que dizem a respeito de Deus. Uma coisa é o que dizem que Deus é. Outra coisa é a maneira como a Bíblia retrata seu comportamento ao longo da história. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Quem tem ouvidos ouça como conciliar as coisas.

Água viva

Tenho um monte de coisas para fazer, e não consigo produzir. Acho que é o cansaço, coisa de atleta em fim de temporada. Minhas férias estão agendadas, mas ainda estou bem ocupado. Enquanto espero a hora do próximo compromisso me bateu um enfado do tipo “e daí?”. Fui tomado por um sentimento de “chega de coisas óbvias, alguém, por favor, me diga alguma coisa que eu ainda não tenha ouvido, uma coisa nova, me mostre um ponto de vista diferente, me aponte na direção de alguma coisa realmente surpreendente, e me diga como sair desta mesmice previsível”.

De súbito me censurei, dizendo para mim mesmo “e aí, companheiro, tá dando uma de ateniense, que busca novidade e não se satisfaz nunca?”, e depois fui um pouco mais cruel, “você ainda não encontrou a grande novidade? Não é você quem diz por aí que quem se encontra com Cristo mata a sede de vez porque tem dentro de si um rio de água viva?”. Evidentemente, não sou de ficar calado quando esse tipo de confrontação bate na minha consciência e fui logo respondendo que “Jesus coloca um rio de água viva dentro da gente, o que é bem diferente de dar um copo d’água definitivo, que a gente bebe de uma vez por todas para nunca mais ter sêde. A brincadeira não é tomar um copo e nunca mais ter que voltar a Jesus. A graça da coisa não é beber um copo d’água, mas voltar sempre, não apenas para tomar um copo, mas para mergulhar o mais fundo no rio de água viva. Ou a gente mergulha todo dia ou cai mesmo nesse marasmo enfadonho e cinzento que de vez em quando fica bem parecido com escuridão. Então me dá licença, que eu vou vestir um calção!".

2.1.07

Geralmente se diz que fé é acreditar em Deus.
Ou ainda que fé é acreditar que Deus tudo pode.
As duas definições, entretanto, nada nos acrescentam,
pois esse tipo de fé até mesmo o diabo tem.

Gosto da definição de Rob Bell:
fé é acreditar que Deus acredita em você.

Essa foi a experiência de Pedro
quando pediu que Jesus o chamasse para
andar sobre as águas. E Jesus o chamou, isto é,
pronunciou uma palavra de ordem a seu respeito.

Pedro saiu do barco e caminhou sobre as águas.
Mas em dado momento prestou atenção no vento,
e duvidou.
Começou a afundar e clamou por socorro:
“Senhor, salva-me!”

Pedro não duvidou de Jesus
e nem de seu poder de salvar.
Então, duvidou de quê?
Duvidou de si mesmo.
Duvidou de que seria capaz de cumprir
a palavra de Jesus pronunciada a seu respeito.

Fé não é acreditar que Deus tudo pode.
Fé é acreditar que
“tudo posso naquele que me fortalece”.
Quem acredita que Deus tudo pode e nada faz,
tem fé sem obras, e fé sem obras é fé morta.

Hebreus 11 é chamado de “galeria dos heróis da fé”.
Ali estão registrados os exemplos de fé.
Não são pessoas que apenas acreditaram
em Deus ou no fato de que Deus tudo pode.
São pessoas que, porque acreditaram em Deus,
e no fato de que Deus tudo pode,
deixaram sua zona de conforto
e se arremessaram a andar com Deus,
obedecendo as ordens de Deus
e perseguindo as promessas de Deus.

Fé é acreditar que Deus acredita em você.

1.1.07

Fazendo história

O futuro não está pronto. Deus tem propósitos, mas não tem planos. A história caminha rumo ao fim bom de toda a criação – reino de Deus, mas segue sua sina construída a quatro mãos: divinas e humanas. Há quatro variáveis dentro das quais a história se desenrola. Quatro variáveis que servem de moldura para que cada ser humano escreva sua própria história enquanto coopera na escrita da história de Deus.

A circunstâncias são a primeira variável. Todos somos postos dentro de contextos a respeito dos quais não tivemos qualquer influência. A começar do dia, hora e local do nosso nascimento. Na verdade, a começar do próprio nascimento: ninguém pediu pra nascer. A vida se desenrola e nos coloca diante de horizontes independem de nossa vontade e desejos: sua família de origem, a escola de sua infância, a cidade onde seus pais se fixaram, a condição econômica e financeira de sua casa, os primeiros amigos, o número de irmãos, e uma série de outros detalhes que simplesmente fazem parte de sua vida antes mesmo de você ter consciência de sua existência.

As oportunidades são a segunda variável. Cada circunstância contém em si mesma um horizonte imenso de oportunidades. O que para uma pessoa é uma situação indesejada, para outra pode ser uma ocasião privilegiada. Depende muito de como cada um encara a realidade.

Nas circunstâncias surgem as oportunidades e as oportunidades exigem decisões, a terceira variável. Somos escravos de nossa liberdade. Decidir é inevitável. Mesmo quem não decide nada tomou uma decisão: a decisão de não decidir. Imagine que a circunstância é uma sala. Nesta sala existem muitas portas, cada uma delas é uma oportunidade. Todo ser humano tem o sagrado privilégio de escolher uma porta para chegar a outro horizonte de oportunidades. É verdade que de vez em quando alguém ou algo nos empurra porta adentro sem que a tenhamos escolhido), mas ainda assim, estaremos diante de muitas outras portas, e assim sucessivamente, de sala em sala, até a última porta.

Dentro de cada circunstância, um monte de oportunidades, que por sua vez exigem decisões. Por sobre tudo isso está Deus – perdoe-me adjetivá-lo de “variável”, a quarta variável. O que Deus faz ou deixa de fazer está na categoria do mistério, foge às nossas possibilidades e mesmo quando o discernimos, geralmente é depois que a coisa já está feita. Por esta razão, devemos cuidar do que está em nossas mãos: encarar as circunstância, discernir oportunidades e tomar decisões. Crendo sempre que Deus está sobre tudo e todos, cuidando de nós e agindo em nós, através de nós e apesar de nós para que nossa história pessoal seja alinhada à sua história eterna. Como ele faz isso eu não faço a menor idéia. Não sei o que, quando e como Deus agiu ou age em minha história. Mas isso não está em minhas mãos. Tudo quanto posso fazer é abrir a porta de minha vida para que Deus entre e assuma o controle.

Confiando que Deus está comigo, sigo meu caminho, sendo grato por tudo e sempre, atento para discernir os dias, perceber os sinais, enxergar as oportunidades, e fazendo o máximo para tomar as melhores decisões possíveis, buscando acima de tudo o que interessa ao reino de Deus e sua justiça. No mais, literalmente, seja o que Deus quiser.


Ed René Kivitz
Pastor da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), autor e conferencista.
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  • "A missão é o sim de Deus ao mundo; a participação na existência de Deus no mundo. Em nossa época, o sim de Deus ao mundo revela-se, em grande medida, no engajamento missionário da igreja no tocante às realidades de injustiça, opressão, pobreza, discriminação e violência."
    David Bosch
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