27.10.06

Complexidade

Certamente você já ouviu falar no conceito de complexidade. Foi com Edgar Morin que eu comecei a transitar por essas bandas. Disse ele que “complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade”. (MORIN, Edgar, Os sete saberes necessários à educação no futuro. São Paulo: Cortez, 2000. p. 38.)

Complexidade é a existência de “uma unidade múltipla”, o que implica o paradoxo de “uma unidade com vários centros”. Mais ou menos como a cidade de São Paulo, ou qualquer grande centro urbano. Por exemplo, antigamente havia o “centro da cidade”. Ainda me lembro daquela época quando morávamos em Santos e minha mãe dizia “hoje à tarde vou à cidade”. Hoje é bem diferente, cada canto da cidade é um centro com tudo o que tem direito: indústria e comércio, lazer, cultura e arte, escola, hospital e igrejas, muitas igrejas. Ninguém precisa mais “ir à cidade”, pois mesmo as pessoas que moram em cantos diferentes da mesma cidade, moram “no centro”. Isso é complexidade.

Imagine que dentro de você existem várias cidades. Uma sobre a outra, com o se fossem camadas de um bolo. Existe dentro de você a cidade chamada “crenças e convicções”, uma outra chamada “desejos e vontades”, mais uma, chamada “pensamentos e raciocínios”, e ainda uma outra, chamada “emoções e sentimentos”.

Agora, imagine que Søren Kierkegaard, teólogo cristão existencialista, estivesse certo ao afirmar que “pureza de coração é desejar uma só coisa”, e que para ver a Deus, pois somente os puros de coração verão a Deus, conforme disse Jesus (e não duvide que ele estava certo), você tem que ter seu mundo interior completamente alinhado. Isto é, o centro da cidade “crenças e convicções” tem que estar alinhado com o centro da cidade “desejos e vontades”, que por sua vez tem que estar alinhado com o centro da cidade “pensamentos e raciocínios”, e todas com o centro da cidade “emoções e sentimentos”. Essa é uma forma de extrapolar o que Kierkegaard quis dizer, mas certamente é uma boa definição de “santo” no senso comum da cultura evangélica.

Quando digo “alinhado”, quero dizer que se você furar o chão bem no centro de uma cidade, você tem que encontrar exatamente o centro da cidade que está em embaixo. Nesse caso, todos os centros de todos os seus desejos e vontades, todas as crenças e convicções, todos os seus pensamentos e raciocínios, e todas as suas emoções e sentimentos têm que estar justapostos em perfeita harmonia. Não pode haver contradição entre o que você crê e o que você faz, entre o que você pensa e o que você sente, ou entre o que você, e assim por diante. Mais do que isso, você não pode ter vontades e pensamentos conflitantes,

Imagine mais. Imagine que estas cidades que existem dentro de você não têm apenas um centro, e que todos os centros de todas as cidades têm que estar alinhados. E tem mais. Imagine que alguns desses centros você nem imagina que existam e alguns outros que pensa que conhece são ilusões e centros falsos. Estas são as cidades do seu subconsciente ou do seu inconsciente.

Agora, imagine que todos os centros de todas as suas cidades, conscientes, inconscientes e subconscientes devem estar alinhados para que você veja a Deus.

Assim imagino. E por esta razão acredito que ver a Deus é algo somente possível mediante revelação. E uma vez recebida a revelação, a gente vai fazendo a sintonia fina e alinhando pouco a pouco os centros das nossas cidades interiores. Com o passar do tempo, a imagem de Deus vai ficando cada vez mais nítida, e aí a gente perde a arrogância de falar de Deus com tantas certezas, até porque o que a gente vê deixa a gente até sem fala.

24.10.06

A verdade e suas metáforas

Em certo país dava-se o nome de metáfora a qualquer recipiente próprio para conter algum líquido. Havia nesse país uma fonte de água cristalina, porém tão amarga que dizia-se bastar um único gole para matar de desgosto um homem adulto; cria-se no entanto que diluída ou em pequenas doses essa água tinha propriedades mágicas ou medicinais, e deu-se a ela o nome de verdade.

Levas de peregrinos acorriam incessantemente à fonte, e partiam para seus lugares de origem levando a verdade em seus vasos metafóricos.

Porém uma rigorosa seita, que cria que a verdade deve ser experenciada sem o auxílio de metáforas, atacava as caravanas de peregrinos. Querendo ensiná-los a obter a verdade em estado puro, os sectários destruíam a pauladas as metáforas que a continham. Quebrados os recipientes, a verdade se derramava e desaparecia no solo, ficando sem ela peregrinos e sectários.

Certa vez um rapaz voltava da fonte levando a verdade em sua metáfora quando viu de longe a aproximação dos sectários. Não querendo ver derramada a verdade que trazia consigo, o rapaz não hesitou e bebeu em goles resolutos toda a água da vasilha.– Onde está a verdade que você trazia nessa metáfora? – perguntaram os perseguidores.

– Eu bebi – desafiou o rapaz. – Agora a verdade está dentro de mim.

E os sectários mataram-no a pauladas.

Em compensação, começou a correr a notícia de que a verdade, embora amarga, não era mortal, e que o recipiente próprio para conter a verdade era um ser humano. Com o passar do tempo os próprios homens passaram a ser chamados de metáforas, e conta-se que nunca estiveram mais perto da verdade.

[Do imperdível Blog do meu amigo Paulo Brabo: http://www.baciadasalmas.com ]

23.10.06

Paradoxos

Paradoxo é uma “aparente falta de nexo ou de lógica, uma contradição”, conforme nos ensina o dicionário. Por exemplo, a expressão de Jesus, “quem perder a sua vida, acha-la-á”, é um paradoxo. Como pode algo acontecer ao mesmo tempo que seu contrário ? A gente perde, ou acha a vida, mas perder e achar ao mesmo tempo é uma contradição, isto é, um paradoxo.

Algumas verdades, entretanto, somente podem ser expressas em termos de paradoxos. A vida não é tão simples que possa seguir adiante sem contradições. Mas por outro lado, algumas contradições da vida são na verdade experiências aparentemente opostas, mas que se completam, que fazem sentido quando são somadas, ou que apontam em direções opostas, mas que não se excluem, isto é, podem conviver sem que uma anule a outra.

A relação entre a soberania de Deus e o livre arbítrio do ser humano é um dos grandes paradoxos da vida. Aparentemente, são duas verdades opostas. É verdade que Deus está no controle soberano de todas as coisas. Mas também é verdade que o ser humano é livre para tomar decisões.

Por exemplo, na história de José do Egito, isso fica bem claro. José foi vendido por seus irmãos para um mercador que comercializava escravos no Egito. Mas ao final da vida, José afirma que foi Deus quem o levou para o Egito. A final de contas, foi Deus ou foram os irmãos de José os responsáveis pela sua ida para o Egito?

Caso a responsabilidade seja toda de Deus, então a traição dos irmãos não pode ser levada em conta e eles não podem ser julgados moralmente, pois estavam fazendo apenas o que Deus queria que fizessem, isto é, sem saber, estavam sendo manipulados por Deus. Mas se a responsabilidade é toda dos irmãos de José, então como pode José dizer que foi Deus quem o levou para lá ? Neste caso José estava enganado, e, pior do que isso, sua vida estava nas mãos de seus irmãos e não de Deus, de modo que Deus não era soberano sobre a vida de José.

A maneira como podemos resolver isso é através do conceito de paradoxo. Precisamos acreditar que a soberania de Deus não anula a responsabilidade humana. Devemos acreditar que a vida está em nossas mãos, pois somos responsáveis pelas nossas decisões, e seremos cobrados e julgados por Deus em relação ao que fizemos e ou deixamos de fazer.

Mas também podemos descansar no fato de que Deus está no controle de todas as coisas, cuidando de nós como Pai amoroso, e que nenhum cabelo da nossa cabeça cairá sem sua permissão. Devemos acreditar que Deus está agindo na história de acordo com seu propósito eterno. Isto é, devemos dizer como Jó: “bem sei que tudo podes, e nenhum dos seus propósitos pode ser frustrado”.

Dwigth Lyman Moody resumiu este paradoxo da vida com o seguinte conselho: “Ore como se tudo dependesse de Deus. Trabalhe como se tudo dependesse de você”.

12.10.06

A Oração ao Deus Desconhecido

Antes de prosseguir em meu caminho
e lançar o meu olhar para frente uma vez mais,
elevo, só, minhas mãos a Ti na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas de meu coração,
tenho dedicado altares festivos para que, em
Cada momento, Tua voz me pudesse chamar.
Sobre esses altares estão gravadas em fogo estas palavras:
“Ao Deus desconhecido”.
Seu, sou eu, embora até o presente tenha me associado aos sacrílegos.
Seu, sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo.
Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-lo.
Eu quero Te conhecer, desconhecido.
Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades a minha vida.
Tu, o incompreensível, mas meu semelhante,
quero Te conhecer, quero servir só a Ti.

[Friedrich Nietzche]

(Traduzida do alemão por Leonardo Boff)


A janela lateral

“A distância que vai entre a janela e os meus olhos determina o que vejo lá fora na rua. Se fico mais perto, a visão se alarga; se fico de longe, a visão se estreita. Se vou à esquerda, enxergo a praça; se vou à direita, enxergo a torre. Sou eu que determino o que aparece lá fora na rua para servir de panorama aos meus olhos.

Mas nem por isso é falso ou errado aquilo que vejo e descrevo, pois não sou eu que crio as coisas que aparecem lá fora. Já existiam antes de mim. Não dependem de mim. É útil e até necessário que cada um defina bem clara e honestamente aquilo que vê pela sua janela. Isso redundará em benefício da análise que se faz da realidade da vida.

O que me consola é que todos somos assim. Bem limitados e condicionados pelos próprios olhos, dependentes uns dos outros. É trocando as experiências, numa conversa franca e humilde, que nos ajudamos a enxergar melhor as coisas que vemos, e a romper as barreiras que nos separam sem razão. Pois ninguém é dono da verdade. Intérprete só”.

Assim falou Carlos Mesters, que li há mais de vinte anos. Desde então a teologia ficou sub judice. Compreendi que a teologia não é um discurso a respeito de Deus, mas apenas trocas de impressões a respeito das múltiplas interpretações que os homens fazem de Deus. Foi então que compreendi porque o Cristianismo não depende da ortodoxia, mas da revelação. A ortodoxia é uma teologia elevada à categoria de verdade absoluta. A revelação é o encontro com uma pessoa. Uma pessoa que não cabe nem na teologia nem na ortodoxia.

Por trás das tragédias

Fiz visitas pastorais a duas mulheres que vestem luto. Lá pelas tantas uma delas disse entre lágrimas: “Deus deve ter as razões dele para levar meu filho, mas está difícil de entender”. Após um silêncio cauteloso e respeitoso, perguntei se ela considerava a possibilidade de Deus não ter tido razão alguma na morte de seu filho. Ela aquiesceu e enxugou os olhos, como quem diz, “é, você tem razão, Deus não tem nada com isso”.

Assim acredito. Afirmar que Deus tem lá suas razões por trás das tragédias equivale a atribuir a Deus a causa de tais tragédias. Algo como Deus decidir dia e hora de virar nosso mundo de pernas para o ar, movido pela firme convicção de que tem algo a nos dar ou ensinar ou um lugar onde deseja chegar às custas de nosso sofrimento.

A pergunta que me faço é, afinal de contas, o que Deus quer fazer em mim, comigo, por mim, através de mim ou contra mim que pode ser mais importante do que a vida do meu filho? Não encontro qualquer resposta suficientemente razoável para acreditar que Deus precise sacrificar vidas por minha causa.

Aliás, Deus já sacrificou a única vida que precisava de fato ser sacrificada por minha causa. O Calvário foi testemunha.

Perfume de mulher

De repente entra na sala uma mulher de reputação pra lá de duvidosa e caminha segura na direção de Jesus. Não faz cerimônia, ajoelha-se atrás dele e lava-lhe os pés com lágrimas. Usa os cabelos como toalha, e derrama sobre os pés secos o perfume que enche a casa de cheiro de cabaré. Jesus não se faz de rogado: entrega os pés aos beijos da mulher.

Os estreitos de plantão não perdem tempo. Criticam o desperdício de perfume, sugerindo que poderia ser transformado em pão para os pobres, e fazem questão de anunciar em alto e bom som que se trata de uma mulher de péssima reputação, pecadora, disseram. Por trás das palavras a respeito da mulher está uma implícita condenação a Jesus: se fosse profeta saberia que a mulher não presta; se fosse sério não se deixaria tocar daquele jeito; se fosse dos nossos condenaria a mulher de vida fácil.

Mas Jesus é diferente. Não é dos nossos. Jesus aceita o perfume das prostitutas. Já consigo ouvir a observação dos estreitos de hoje: é verdade, mas a mulher abandonou aquela vida... Sei não. Tudo quanto Jesus lhe diz é “seus pecados estão perdoados”, pois a demonstração de amor estava proporcional ao alívio da culpa: a quem muito é perdoado, muito ama. E Jesus se despede da mulher: “Sua fé a salvou, vá em paz”.

Via de regra os beatos não aceitam o perfume das pecadoras. E quando aceitam querem se certificar de que já mudaram de vida ou pretendem mudar. Essa é a face mais sombria do cristianismo institucionalizado: impor sua moral, enclausurar o amor de Deus e a graça do Cristo. Será o caso de “deixarmos” que a graça faça seu caminho dentro das pessoas, e as pessoas façam seu caminho por dentro da graça? Será que conseguimos acreditar que Deus trata com os pecadores, e o faz aceitando seu perfume? Ou preferimos controlar os pecadores, exigindo que se enquadrem em nossas estreitas molduras morais, em vez de lhes dar espaço para a transformação de dentro para fora?

Onde foi que esconderam o Deus que aceita o perfume das prostitutas?

10.10.06

Deus é inocente

“Se o céu existe, Deus tem muito que explicar”. Essa afirmação do Robert De Niro faz eco em meu coração. Também experimento o incômodo de deixar Deus sub judice diante do sofrimento humano. Não me conformo diante das injustiças da vida. O argumento de que todos somos maus e em última análise ninguém mereceria ser poupado do mal não me satisfaz. Sou daqueles que acreditam que coisas ruins acontecem às pessoas boas e acalentam silenciosos uma certa contrariedade quando coisas boas acontecem às pessoas ruins. Acredito, sim, que no mundo existe gente boa e gente ruim. E também acredito que a maioria das pessoas não merece a tragédia que sofre. O casal que perde o filho recém nascido, o adolescente que fica tetraplégico após um displicente mergulho na piscina do clube, a mulher que se vê mutilada pelo câncer, o pai de família que percorre as ruas na indignidade do desemprego e que, por vergonha ou por caráter – as duas coisas, não sabe nem mesmo esmolar, são situações cotidianas que me fazem dormir mal sob o peso do veredicto: Deus tem mesmo muito que explicar.

Mas trago no coração duas outras certezas que me apaziguam a alma, me dão coragem para viver e me animam à solidariedade, ainda que tímida e não poucas vezes insuficiente. A primeira certeza é que o céu existe. A Bíblia fala que existe este século e o porvir, deixando claro que este mundo não é a realidade definitiva. O presente estado das coisas não é a versão final da obra de Deus. Uma coisa é o mundo em que vivemos. Outra, o mundo em que viveremos eternamente. O mundo completamente redimido é o que entendo ser o céu. E a respeito das coisas que acontecem neste mundo e não deveriam acontecer, e que não acontecerão no mundo vindouro, Deus já se explicou. Deus se pronunciou em alto e bom som, há mais de dois mil anos, na cruz do Calvário, onde foi morto Jesus de Nazaré, o Cristo, unigênito de Deus.

Minha outra certeza é que “Deus prova seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores”. Quem duvida do amor de Deus deve olhar para o Calvário. No dia em que o sofrimento se agiganta e a visão do amor de Deus fica ofuscada pelas lágrimas da dor quase insuportável, a cruz do Calvário é o grito apaixonado de Deus. John Stott disse que na cruz de Cristo, Deus justifica não apenas a humanidade, mas justifica a si mesmo. Na cruz de Cristo, Deus se levanta diante de todos os que o acusam de ser injusto, tirano, indiferente ao sofrimento e à dor humanas, e pronuncia a sentença de inocência sobre si mesmo. A cruz de Cristo é a prova irrefutável do amor de Deus.

Na cruz de Cristo há quatro afirmações que provam o amor e definem a inocência de Deus. Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque se solidariza com as vítimas do mal e da malignidade. Através da morte de Jesus Cristo, seu Filho, Deus afirma “O mal também me feriu”, “O sofrimento chegou também à minha casa”, “As lágrimas pelo padecimento injusto também rolam dos meus olhos”, “Eu e as vítimas do mal e da malignidade somos um”. Verdadeiramente Deus levou sobre si nossas dores.

Aqueles que imaginam que o Deus que “habita em luz inacessível” vive confortavelmente no ar condicionado do céu, enquanto suas criaturas penam contra o diabo na terra do sol, estão absolutamente enganados. Deus tem a cara suja pelas lágrimas que borram seu rosto sofrido com a dor de cada um dos seus filhos por adoção e do seu unigênito. Na cruz de Cristo Deus sofre conosco. Sofre por nós. Sofre em nosso lugar. Deus sabe o que é padecer. Seu Filho é homem de dores. Ovelha muda entre seus sanguinários tosquiadores. Na cruz de Cristo Deus atravessou não apenas o vale da sombra da morte. Atravessou a própria morte.

Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque não é contato não entre os promotores do mal, mas entre os que sofrem os danos da malignidade. Na cruz de Cristo Deus afirma “Não olhem para mim como se eu ordenasse o mal”, “Quando estiver sofrendo, não me conte entre os que lhe causam a dor”, “Na cruz, eu não batia pregos na mão de ninguém. Na cruz, a mão sob os pregos ferozes era a minha”. Quase posso escutar Deus dizendo à mãe que chora a filha atropelada: “Não me tome como quem passou por cima, eu estava em baixo, sendo esmagado sob o peso da borracha negra que me dilacerava a carne e a alma”.

Na cruz de Cristo Deus sofre o mal. Na cruz de Cristo Deus é exposto como vítima da malignidade e não como algoz que causa dor e sofrimento. Na cruz de Cristo os verdadeiros promotores da morte são publicamente desmascarados. Cai o pano. E todo mundo pode ver que Deus não está com mãos sujas de sangue inocente. Na cruz de Cristo Deus é a mão inocente que sangra.

Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque fica evidente que a causa do sofrimento é o pecado da raça humana. Os pecadores estão pensos nas cruzes laterais, mas a cruz do meio sustém um inocente. Na cruz de cristo Deus afirma: “Vocês deflagraram o mal”, “Vocês abriram a caixa de Pandora”, “Vocês soltaram a besta fera”, “Vocês macularam o Paraíso”. O aviso ainda ecoa pelo universo: “No dia em que pecar, certamente morrerás”. A presença da morte é evidência de pecado. E o pecado é responsabilidade da raça humana. A cruz de Cristo somente se explica porque o pecado que a faz necessária. Naquele dia em que Deus provava seu amor para conosco éramos de fato ainda pecadores.

Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque é o que morre, e não o que mata. Na cruz de Cristo pende o justo morrendo a morte dos injustos. O veredicto está lançado: há pecado, pois que haja morte. O salário do pecado é a morte, disse o apóstolo. A justiça do Deus três vezes santo há que ser satisfeita. Deus está diante de seu dilema eterno: matar ou morrer. E sua opção é definitiva, desde antes da criação do mundo: morrer. Na cruz de Cristo Deus faz sua escolha e anuncia sua disposição de amor absoluto: se alguém tem que morrer para que a justiça volte a brilhar no universo maculado pela culpa da raça humana, que viva a raça e que morra eu-Eu.

O primeiro dos dilemas é criar ou não criar. O segundo é criar com liberdade ou sem liberdade. O terceiro é assumir o ônus da liberdade ou deixar este ônus nas mãos da criatura. Deus faz as escolhas que o machucam, que lhe causam dor, que o fazem sofrer, que o diminuem. Simone Weil diz que “Deus e todas as suas criaturas é menos do que Deus sozinho”. Deus escolhe criar. Escolhe criar um ser livre, pois não fosse livre não seria à imagem do Criador. E escolhe arcar com ônus da liberdade que concede à sua criatura. Na cruz de Cristo está Deus, dando ao rebelde o direito de existir. Na cruz de Cristo está Deus, entregando sua vida, voluntariamente, em favor dos pecadores. O mal deflagrado pela raça humana levanta sua sombra sobre o trono de Deus. E Deus se levanta como um Cordeiro que se doa, pois escolhera morrer, em detrimento de matar. Na cruz de Cristo está o Deus que morre para que todos tenham vida, vida completa, abundante vida.

9.10.06

Nosso destino é Cristo

Romanos 8
28 Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam,g dos que foram chamados de acordo com o seu propósito.
29 Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.

2Coríntios
17Ora, o Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade.
18 E todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito.

Gálatas 4
19 Meus filhos, novamente estou sofrendo dores de parto por sua causa, até que Cristo seja formado em vocês.

Efésios 4
11 E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres,
12 com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado,
13 até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo.

Colossenses 1
27 A ele quis Deus dar a conhecer entre os gentios a gloriosa riqueza deste mistério, que é Cristo em vocês, a esperança da glória.
28 Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo.

1Pedro 1
3 Seu divino poder nos deu tudo de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude.
4 Dessa maneira, ele nos deu as suas grandiosas e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo, causada pela cobiça.

1João 3
2 Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é.

4.10.06

Ninguém vai para o Céu

"Eu acredito no Céu, e estou comprometido com esta fé. Mas quer saber de uma coisa? Dá muito trabalho achar versículos que dizem que nós vamos para o Céu! Dê uma olhadinha e veja quantos você consegue achar. Talvez você se assuste. Note bem, não estou dizendo que o Céu não existe. Mas leia o livro de Apocalipse. Como é que ele termina? Nova Jerusalém está descendo do Céu para a Terra. Eu não vou para o Céu - o Céu é que vem para cá! Sou um crente que realmente acredita no Céu, mas que ele vai ser aqui, nesta Terra devidamente restaurada. Perceba o que Deus faz com Jesus: quando Cristo é ressuscitado, os discípulos conseguem ver que é o corpo do Salvador, mas que foi transformado. O que aconteceu? Acredito que o Céu e Terra se uniram em Jesus. O corpo físico de Jesus foi permeado, foi tomado pela existência do Céu. E é isto que devemos esperar. Esta Terra será tomada pela presença do Céu e será transformada. Da mesma forma que o corpo de Jesus era o mesmo, mas transformado, acredito que esta será a mesma Terra, mas transformada".

A estas palavras de Rikk Watts (Livres para amar, Editora Sepal, p.30) eu acrescentaria que o que devemos esperar não é a chegada do Céu, mas a completa transformação de nós mesmos, isto é, sermos transformados à imagem de Cristo, ser como Cristo, ser Cristo, para que possamos habitar a Terra transformada pela presença do Céu.

3.10.06

Nosso destino

Uma das coisas mais estúpidas que já acreditei em termos de religião foi que a composição da população do céu podia ser mensurada pelo número de pessoas que dissessem sim a um apelo de conversão a Jesus Cristo feito nas bases da tradição do cristianismo protestante evangélico anglo-americano. Traduzindo: se você acredita que irão para o céu somente as pessoas que aceitam a Jesus como salvador depois de ouvir o evangelho pregado a partir da cultura anglo-americana, então você está em apuros: o seu céu é pequeno demais; o seu Deus é pequeno demais; o seu Cristo é pequeno demais; o seu evangelho é pequeno demais; o seu Espírito Santo é pequeno demais; o seu universo de comunhão é pequeno demais; seu projeto existencial é pequeno demais; sua peregrinação espiritual é pequena demais.

É urgente que se articule uma outra maneira de convocar pessoas para que se coloquem a caminho do céu. Uma convocação que considere que “nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” – palavras de Jesus. Uma convocação que re-signifique o conceito de céu, que deve deixar de ser um lugar geográfico em outro mundo para onde se vai após a morte, para significar uma dimensão de relacionamento com o Deus Eterno para a experiência contínua do processo de humanização: estar em Cristo, ser como Cristo, ser Cristo. Com isso quero dizer que o convite para aceitar Jesus como salvador como credencial para ir para o céu não é a melhor convocação. A melhor convocação é um chamado para se tornar uma outra pessoa. A peregrinação espiritual cristã não é uma migração de um lugar para outro, mas de um estado de ser para outro. Nosso destino não é o céu. Nosso destino é Cristo. E tenho certeza de que muita gente vai chegar lá mesmo sem nunca ter ouvido o plano de salvação desenvolvido pelos teólogos sistemáticos anglo-americanos.


Ed René Kivitz
Pastor da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), autor e conferencista.
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  • BOSCH, David. Missão transformadora: mudanças de paradigmas na teologia da missão. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2002.

  • XI Semana de Estudos de Religião - Fundamentalismos: discursos e práticas

    PRELETORES: Diversos
    DATA: 2 a 4 de outubro
    LOCAL: São Paulo (SP)
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  • "A missão é o sim de Deus ao mundo; a participação na existência de Deus no mundo. Em nossa época, o sim de Deus ao mundo revela-se, em grande medida, no engajamento missionário da igreja no tocante às realidades de injustiça, opressão, pobreza, discriminação e violência."
    David Bosch
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